Nem trabalhador sem qualificação quer comércio popular de São Paulo
Desemprego em queda e redução na migração nordestina mudam relações de trabalho e lojas do centro de São Paulo não conseguem contratar
Foto: Yan Boechat Ampliar
Gerente de uma loja popular no centro de São Paulo, Socorro tenta contratar um funcionário há mais de dois meses
Agora, basta saber ler e escrever, ser maior de 18 anos e “ter disposição para pegar no pesado” para conquistar um emprego com carteira assinada na A Econômica, a loja na qual Socorro já trabalha há quase uma década e meia. Mas, mesmo assim, uma folha já meio amarelada de papel sulfite repousa há dois meses em uma das vitrines com a seguinte frase; Procura-se Fiscal de Loja. “Não sei o que acontece, ninguém mais quer trabalhar”, diz ela, sem saber ao certo como resolver um problema que não conhecia até pouco tempo atrás.
As concessões feitas por Socorro em busca de trabalhadores para funções simples como a de um fiscal de loja, em que a qualificação profissional está longe de ser um imperativo, têm se repetido com frequência em praticamente todos os centros de comércio popular da cidade de São Paulo. Na rua Barão de Itapetininga, onde Socorro trabalha, os anúncios buscando trabalhadores para toda sorte de empregos deixaram de ser uma exclusividade dos típicos homens sanduíche; migraram para os postes, antes o lar cativo de panfletos de pais de santo e de empresas de empréstimo consignado. O mesmo acontece na rua Tedodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros, ou nas centenas de lojas do Brás. É difícil encontrar uma loja nessas regiões que não esteja em busca de algum funcionário.
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Até mesmo na superlativa rua 25 de Março, o maior centro de comércio popular da América Latina, onde sempre há fartura de tudo, a mão de obra barata está escassa. São raras, também, as lojas que não estão em busca de um ajudante geral, uma balconista ou mesmo alguém apenas para vigiar os gatunos em pele de clientes. Na Ladeira Porto Geral, uma espécie de portal que liga o Centro antigo de São Paulo da imponente Bovespa ao caos organizado da 25 março, a maior parte dos comerciantes luta para conseguir contratar um simples estoquista. Das 24 lojas instaladas ali, 16 estão com anúncios de procura-se colados em suas vitrines. “É difícil entender o que acontece”, diz Ana Facioli, sócia da Bruna Brasil Bijuterias, uma lojinha na 25 de Março, quase esquina com a Ladeira Porto Geral. “Estamos há mais de dois meses tentando contratar uma vendedora, mas não conseguimos. Acho que o pessoal está muito sonhador, só querem saber de escritório, não aguentam mais o comércio, não querem mais trabalhar pesado”, diz Ana.
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Ana Facioli, dona de uma loja na 25 de Março, acredita que trabalhadores andam muito sonhadores
Para os comerciantes, as causas dessa falta de trabalhadores têm razões mais comportamentais do que econômicas. Para a maior parte deles, a nova geração é preguiçosa, pouco comprometida com o trabalho e, como disse Ana, sonhadora. “A verdade é que gente como a gente não se faz mais”, diz Francisco Wellington de Souza, o Chiquinho, um ex-garçom que depois de anos trabalhando como assalariado conseguiu se tornar sócio minoritário em um bar e restaurante na rua Conselheiro Crispiniano, bem próximo ao Vale do Anhangabaú. “O pessoal saía do Nordeste, chegava aqui e nem perguntava o que ia fazer ou quanto ia ganhar, partia para dentro do emprego sem dar um pio”, diz ele, que trocou o Ceará por São Paulo há mais de duas décadas. “Hoje o sujeito chega aqui e a primeira coisa que pergunta é quanto vai ganhar e quando vai ter folga. É brincadeira”, diz Francisco, que há mais de três meses tenta contratar, sem sucesso, um copeiro para o seu bar.
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Dono de um bar no centro de São Paulo, Chiquinho está há três meses tentando contratar um copeiro
Nos últimos 10 anos, o número de nordestinos que deixaram suas casas para tentar a sorte em alguma cidade do Sudeste caiu mais de 50%. No ano 2000, cerca de 1 milhão de pessoas optaram por abandonar suas origens nordestinas para viver, primordialmente, em São Paulo. Já em 2009, esse número não passava de 450 mil pessoas. Ao mesmo tempo, o número de pessoas que decidiram voltar para sua terra de origem cresceu de forma constante na última década. Entre 2004 e 2009, no saldo de idas e vindas, São Paulo perdeu 12 mil pessoas. A razão para esse fenômeno inédito na história brasileira encontra explicação na diversificação do crescimento econômico do País. “São os efeitos da descentralização do crescimento econômico aparecendo”, diz Dedecca, lembrando que nos últimos anos o Produto Interno Bruto (PIB) e a renda média do Nordeste cresceram a taxas mais robustas que a da média nacional.
Redução
O volume de pessoas que saíram de seus estados para viver em São Paulo caiu de forma acentuada em 10 anosFonte: Pnad/IBGE
Mesmo com a escassez dessa mão de obra barata, poucos acreditam que o comércio de São Paulo está às portas de uma crise. O estoque de mão de obra na região metropolitana ainda é alto. Mas, sem dúvida, uma readequação já parece estar em curso. Sem a fartura de outrora, o comércio já está, ainda que de forma lenta, iniciando um processo de valorização desse profissional. Os últimos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que os trabalhadores do comércio vêm registrando ganhos de renda reais sempre acima da média nacional. Na comparação interanual de agosto (quando comparado ao mesmo período do ano anterior), os comerciários tiveram ganhos reais, acima da inflação, de 3,8%, contra 3,2% da média nacional. Em julho, esse índice foi de 6%, contra 4% da média do País.
Foto: Yan Boechat Ampliar
A chinesa Liu não consegue encontrar funcionários para sua loja na rua 25 de Março
http://economia.ig.com.br/empresas/comercioservicos/nem-trabalhador-sem-qualificacao-quer-comercio-popular-de-sao-paulo/n1597262676848.html
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